quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Deus e a Crise



Vivemos na primeira civilização ateia, que perdeu a conexão com o infinito e a eternidade”. São palavras de Vaclav Havel, recordadas por Jorge Almeida Fernandes no “Público”. Para Havel, isso implica preferir o ganho a curto prazo e ter a ideia arrogante de que tudo sabemos ou viremos a saber.

Para este “meio crente”, que não aderia a uma religião revelada, era essencial o sentido de transcendência. E Havel considerava “incrivelmente míope” o homem poder esquecer que não é Deus.

Entretanto, nas palavras que dirigiu aos cardeais da Cúria, antes do Natal, Bento XVI uma vez mais apontou a crise ética como raiz da actual crise económica e fi nanceira da Europa. É verdade que há muitos valores compartilhados. “Todavia, falta muitas vezes a força capaz de motivar o indivíduo e os grandes grupos sociais a abraçarem renúncias e sacrifícios”.

Acrescentou o Papa: “onde se torna predominante a dúvida sobre Deus acaba inevitavelmente por seguir-se a dúvida sobre o meu ser homem”. Porque “só a fé me dá esta certeza: é bom existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis”.


Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Coisas?



Ao longo da nossa vida, surgem-nos surpresas, que nos apontam para o essencial. 
Basta olhar para o testemunho do pescador ucraniano, que perdeu tudo - bens materiais -, o que tinha.


Será que nesta época de Natal saibamos ler os acontecimentos?
Prendas... Prendas... Consumo... Consumo... E o essencial?


Deixo-vos pensar com a afirmação do pescador:


      Ao fim de três dias, contra todas as expectativas, foram encontrados e recebidos em festa no país e na sua terra. Apenas um, ucraniano, não regressou a casa, porque vivia no barco afundado, nem voltou para a família, que continua na Ucrânia. Aos olhos do jornalista que o entrevistou, perdeu tudo, mas a sua resposta é elucidativa sobre o que é tudo: 
      "Coisas? Essas compram-se com dinheiro. O trabalho e o dinheiro resolvem, isso não é nada comparado com o que ganhei, a vida".

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

T.S. Eliot, ou o cristão no circo pagão

Em Ensaios Escolhidos, podemos encontrar um texto muito atual de T.S. Eliot: "A ideia de uma sociedade cristã". Este ensaio de 1939 é um ótimo buraco da fechadura para observarmos os dilemas do cristão na sociedade de 2011.

Eliot dizia que o cristão tem de tentar influenciar a sociedade do seu país a um nível pré-político. Ou seja, não estamos perante a defesa de um Estado cristão, mas ante a defesa de uma sociedade cristã, uma sociedade com o seu centro vital amarrado a valores cristãos. Eliot, aliás, afirmava que é mais importante a existência de uma sociedade cristã do que a existência de governantes cristãos. Porquê? Numa sociedade cristã, um político pagão não consegue impor leis anti-cristãs, porque o tecido social não o permite. Ao invés, numa sociedade pós-cristã e pagã, um governo de políticos cristãos já não tem hipótese, pois está rodeado por uma sociedade que despreza o moral cristã.

Portanto, Eliot afirmava que um cristão deve actuar na sua sociedade, porque o cristianismo é a última linha de resistência contra o mau governo, contra o "governo totalitário pagão". Tudo bem? Tudo mal. Eliot já tinha o problema que aflige os cristãos europeus de hoje: a sua sociedade já era pagã. Eliot queixava-se da ausência de fé nas massas, e, como se sabe, esta queixa é recorrente na atualidade. Em 2011, tal como em 1939, a sociedade já não é cristã, logo, o Estado projecta-se através de leis que ferem a ética cristã. Sim, tal como no tempo de Eliot, ainda existe uma "Comunidade de Cristãos", mas já não existe uma "Comunidade Cristã". O processo de descristianização das sociedade europeias, que estava a atingir a maturidade no tempo de Eliot, é hoje uma realidade mais do que madura. Maduríssima. Há muito que não existe um ethos cristão a limitar a ação do Estado e dos governantes.

Ora, quer em 1939, quer neste século XXI, o afastamento das sociedades em relação ao ethos cristão não se deveu apenas às investidas das hordas pagãs. A preguiça, digamos assim, dos cristãos também deve ser considerada enquanto causa da decadência da fé. Em Portugal, por exemplo, há muito católico de sofá e de teclado. Julgo mesmo que os católicos portugueses esqueceram o conselho de Eliot, isto é, pensaram que as leis do Estado protegeriam para sempre o ethos católico. Como todos os portugueses, os católicos portugueses encostaram-se ao Estado, e negligenciaram um ponto fundamental: é preciso fazer catolicismo todos os dias, na rua, nas paróquias, nos bairros, nas associações, no voluntariado, junto das pessoas. A lei não chega.

PS: uma nova geração de católicos portugueses (ainda mais nova do que a minha) está a desbravar caminho neste sentido. Ainda bem.

Henrique Raposo (www.expresso.pt) - 8:00 Quarta feira, 30 de novembro de 2011