Por trás de um artista muito maior do que a sua arte, esconde-se uma pessoa doente, perturbada, atrofiada por uma vida que nunca consegue controlar...
Será Michael Jackson um tal artista?
Houve uuma altura em que Michael Jackson teve o mundo a seus pés.
Houve outra em que o mundo o espezinhou.
Agora que morreu, e como é normal neste mundo, ele presta-lhe novamente vassalgem.
Apesar de raramente se olhar para as letras das canções compostas por M. Jackson, a verdade é que a sua Verdade sempre se escondeu nelas. Se as lermos bem, os motes principais das suas canções eram a culpa, o pecado, a dúvida, a libertação, a redenção, a dicotomia entre o Bem e o Mal; um pouco - estranhamente - à semelhança de muitas letras do nosso António Variações.
Eram letras de uma mente perturbada, por inúmeros fantasmas e saídas de um génio, ele Jackson, absoluto.
É sabido, todos os génios, daqueles génios grandes e verdadeiros e únicos, são almas perturbadas : se nos cingirmos apenas à música, Mozart e Satie, Robert Johnson e Chet Baker, Janis Joplin e Fela Kuti, Nick Drake e Jim Morrison, Syd Barrett e Ian Curtis, Tom Zé e Kurt Cobain fazem o mapa possível de uma genialidade que se cruzou muitas vezes com a loucura, as dorgas, os desvios de caracter e comportamentais, o suicídio ou a morte em condições estranhas, que culmina agora com a morte de Michael Jackson.
Podemos percorrer a lista de génios em outras áreas, de filosofia, literatura, ciência e até da religião (grandes Santos...).
Nascido para a música profissional, Michael rapidamente percebeu qual era a essência da soul, a música que cantava ao lado dos seus irmãos nos Jackson 5: uma música feita em doses quase iguais de gospel (a música de Deus) e de rock'n'roll (a música do Diabo).
Jackson criou um corpus autoral único e absolutamente original, deixando marca única, na música popular do último século.
(fonte de informação, Anjos&Demónios / António Pires, in jornal I (suplemento))
segunda-feira, 29 de junho de 2009
domingo, 28 de junho de 2009
Silenciar o cristão…!
Um texto de Manuel Pinto, na página1, Renascença, levou-me à realidade do mundo de hoje. Há um afastar cada vez mais o cristianismo da esfera humana.
Fala de um estudo realizado por um jornalista, José António Santos, sobre as notícias difundidas pela agência Lusa, no ano de 2008. Indica que os assuntos de natureza religiosa não chegaram a 1 por cento da produção da agência. Ficaram-se por 0,71%.
Sabe-se do peso da Lusa no fornecimento das redacções da generalidade dos media nacionais.
As conferências episcopais de Portugal e Espanha, neste contexto, sugeriram que a dimensão religiosa e cristã, que faz parte da realidade social e cultural em que vivemos, está a ser silenciada nos Media. Chamam a atenção para uma atitude de suspeita sobre a presença do facto religioso cristão na esfera pública e para o desejo de “relegar a dimensão religiosa para o âmbito privado, sem deixar espaço para Deus na opinião pública”.
É hoje um problema cultural, que ganharia em ser discutido como tal.
Neste silêncio é fácil implementar medidas, hábitos, modus vivendi, onde se incluem uma maior aceitação social de realidades como o aborto, os casamentos gay… procurando que o Deus de Jesus Cristo não esteja presente…
Fala de um estudo realizado por um jornalista, José António Santos, sobre as notícias difundidas pela agência Lusa, no ano de 2008. Indica que os assuntos de natureza religiosa não chegaram a 1 por cento da produção da agência. Ficaram-se por 0,71%.
Sabe-se do peso da Lusa no fornecimento das redacções da generalidade dos media nacionais.
As conferências episcopais de Portugal e Espanha, neste contexto, sugeriram que a dimensão religiosa e cristã, que faz parte da realidade social e cultural em que vivemos, está a ser silenciada nos Media. Chamam a atenção para uma atitude de suspeita sobre a presença do facto religioso cristão na esfera pública e para o desejo de “relegar a dimensão religiosa para o âmbito privado, sem deixar espaço para Deus na opinião pública”.
É hoje um problema cultural, que ganharia em ser discutido como tal.
Neste silêncio é fácil implementar medidas, hábitos, modus vivendi, onde se incluem uma maior aceitação social de realidades como o aborto, os casamentos gay… procurando que o Deus de Jesus Cristo não esteja presente…
quinta-feira, 11 de junho de 2009
O Homem Eterno, de Chesterton...
Ouvi um dia destes, num pequeno grupo, Zita Seabra.
Entre muitas coisas, ela fez referência a um livro, O Homem Eterno, de G. K. Chesterton.
Comprei-o no dia seguinte. Comecei a lê-lo.
Ao ler a introdução... algumas pinceladas, deixo.
“Há duas maneiras de chegar a casa; uma delas é não chegar a sair. A outra é dar a volta ao mundo até regressar ao local de partida…”
Muitas vezes, na nossa “vidinha”, vivemos “à sombra da fé, mas perdemos a luz da fé.”
“Ora, a melhor relação que podemos ter com o nosso lar espiritual é vivermos suficientemente perto dele para o amarmos; a segunda melhor, porém, é vivermos suficientemente longe para não o odiarmos.”
“Defendo eu que, quando trazidas à luz do dia claro, há duas coisas que são totalmente bizarras e singulares. […] as duas coisas a que me refiro são: a primeira, a criatura chamada homem; a segunda, o homem chamado Cristo. Por assim pensar, dividi este livro em duas partes; a primeira é um esboço da grande aventura da raça humana enquanto foi pagã; a segunda é um resumo da profunda alteração que nela se introduziu pelo facto de se ter tornado cristã.”
“As coisas podem muito bem ser-nos familiares enquanto a familiaridade gerar o afecto; quando, porém, a familiaridade gera desprezo, é de longe preferível que se nos tornem estranhas.”
O olhar… “A pessoa que tem uma visão cristã e católica da natureza humana terá a certeza de que se trata de uma visão universal, e portanto sensata, que por isso a satisfaz. Mas a pessoa que perdeu de vista essa visão sensata só conseguirá recuperá-la por via de algo que se assemelhe a uma visão de loucos; ou seja, olhando para o homem como se olha para um animal bizarro e percebendo quão bizarro ele é.
“…o objectivo desta introdução é defender a seguinte tese: é exactamente quando olharmos para o homem como um animal, que percebemos que ele não é um animal.”
Estamos perante um autor que nos incita para o espanto… Quando certa vez perguntaram a Chesterton «que livro gostaria de ter consigo se fosse um náufrago numa ilha deserta», esperando talvez uma resposta profunda e elevada como «a Bíblia» ou «a Divina Comédia», respondeu com um óbvio «um manual de construção de botes/canoas».
Neste livro, no fundo, Chesterton “deseja ajudar o leitor a ver a cristandade de fora, no sentido de a ver como um todo, contra o pano de fundo de outros factos históricos; assim como desejo que veja a humanidade como um todo, contra o pano de fundo das coisas naturais.”
É um livro desafiante para quem crê!
Entre muitas coisas, ela fez referência a um livro, O Homem Eterno, de G. K. Chesterton.
Comprei-o no dia seguinte. Comecei a lê-lo.
Ao ler a introdução... algumas pinceladas, deixo.
“Há duas maneiras de chegar a casa; uma delas é não chegar a sair. A outra é dar a volta ao mundo até regressar ao local de partida…”
Muitas vezes, na nossa “vidinha”, vivemos “à sombra da fé, mas perdemos a luz da fé.”
“Ora, a melhor relação que podemos ter com o nosso lar espiritual é vivermos suficientemente perto dele para o amarmos; a segunda melhor, porém, é vivermos suficientemente longe para não o odiarmos.”
“Defendo eu que, quando trazidas à luz do dia claro, há duas coisas que são totalmente bizarras e singulares. […] as duas coisas a que me refiro são: a primeira, a criatura chamada homem; a segunda, o homem chamado Cristo. Por assim pensar, dividi este livro em duas partes; a primeira é um esboço da grande aventura da raça humana enquanto foi pagã; a segunda é um resumo da profunda alteração que nela se introduziu pelo facto de se ter tornado cristã.”
“As coisas podem muito bem ser-nos familiares enquanto a familiaridade gerar o afecto; quando, porém, a familiaridade gera desprezo, é de longe preferível que se nos tornem estranhas.”
O olhar… “A pessoa que tem uma visão cristã e católica da natureza humana terá a certeza de que se trata de uma visão universal, e portanto sensata, que por isso a satisfaz. Mas a pessoa que perdeu de vista essa visão sensata só conseguirá recuperá-la por via de algo que se assemelhe a uma visão de loucos; ou seja, olhando para o homem como se olha para um animal bizarro e percebendo quão bizarro ele é.
“…o objectivo desta introdução é defender a seguinte tese: é exactamente quando olharmos para o homem como um animal, que percebemos que ele não é um animal.”
Estamos perante um autor que nos incita para o espanto… Quando certa vez perguntaram a Chesterton «que livro gostaria de ter consigo se fosse um náufrago numa ilha deserta», esperando talvez uma resposta profunda e elevada como «a Bíblia» ou «a Divina Comédia», respondeu com um óbvio «um manual de construção de botes/canoas».
Neste livro, no fundo, Chesterton “deseja ajudar o leitor a ver a cristandade de fora, no sentido de a ver como um todo, contra o pano de fundo de outros factos históricos; assim como desejo que veja a humanidade como um todo, contra o pano de fundo das coisas naturais.”
É um livro desafiante para quem crê!
sexta-feira, 5 de junho de 2009
Um "cristão-político"...
EXCERTOS DO CAPÍTULO Alguns pontos fulcrais no actual debate cultural e político
DOCUMENTO: Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política
AUTORIA: Congregação para a Doutrina da Fé
DATA: 24 de Novembro de 2002
ASSINADO: Card. Joseph Ratzinger e D. Tarcisio Bertone
(...) A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a actuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos.
Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica.
Não basta o empenho político em favor de um aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade pelo bem comum. Nem um católico pode pensar em delegar a outros o empenho que, como cristão, lhe vem do evangelho de Jesus Cristo de anunciar e realizar a verdade sobre o homem e o mundo.
Quando a acção política se confronta com princípios morais que não admitem abdicações, excepções ou compromissos de qualquer espécie, é então que o empenho dos católicos se torna mais evidente e grávido de responsabilidade. Perante essas exigências éticas fundamentais e irrenunciáveis, os crentes têm, efectivamente, de saber que está em jogo a essência da ordem moral, que diz respeito ao bem integral da pessoa.
É o caso das leis civis em matéria de aborto e de eutanásia (a não confundir com a renúncia ao excesso terapêutico, legítimo, mesmo sob o ponto de vista moral), que devem tutelar o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural.
Do mesmo modo, há que afirmar o dever de respeitar e proteger os direitos do embrião humano.
Analogamente, devem ser salvaguardadas a tutela e promoção da família, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio: não se pode, de maneira nenhuma, pôr juridicamente no mesmo plano com a família outras formas de convivência, nem estas podem receber, como tais, um reconhecimento legal.
Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável, aliás reconhecido nas Declarações internacionais dos direitos humanos.
No mesmo plano, devem incluir-se a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão (pense-se, por exemplo, na droga e na exploração da prostituição).
Não podem ficar fora deste elenco o direito à liberdade religiosa e o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum, no respeito da justiça social, do princípio da solidariedade humana e do de subsidariedade, segundo o qual “os direitos das pessoas, das famílias e dos grupos, e o seu exercício têm de ser reconhecidos”.
Como não incluir, enfim, nesta exemplificação, o grande tema da paz? Uma visão irénica e ideológica tende, por vezes, a secularizar o valor da paz; noutros casos, cede-se a um juízo ético sumário, esquecendo a complexidade das razões em questão. A paz é sempre “fruto da justiça e efeito da caridade”; exige a recusa radical e absoluta da violência e do terrorismo e requer um empenho constante e vigilante da parte de quem está investido da responsabilidade política.
DOCUMENTO: Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política
AUTORIA: Congregação para a Doutrina da Fé
DATA: 24 de Novembro de 2002
ASSINADO: Card. Joseph Ratzinger e D. Tarcisio Bertone
(...) A consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a actuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos.
Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica.
Não basta o empenho político em favor de um aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade pelo bem comum. Nem um católico pode pensar em delegar a outros o empenho que, como cristão, lhe vem do evangelho de Jesus Cristo de anunciar e realizar a verdade sobre o homem e o mundo.
Quando a acção política se confronta com princípios morais que não admitem abdicações, excepções ou compromissos de qualquer espécie, é então que o empenho dos católicos se torna mais evidente e grávido de responsabilidade. Perante essas exigências éticas fundamentais e irrenunciáveis, os crentes têm, efectivamente, de saber que está em jogo a essência da ordem moral, que diz respeito ao bem integral da pessoa.
É o caso das leis civis em matéria de aborto e de eutanásia (a não confundir com a renúncia ao excesso terapêutico, legítimo, mesmo sob o ponto de vista moral), que devem tutelar o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural.
Do mesmo modo, há que afirmar o dever de respeitar e proteger os direitos do embrião humano.
Analogamente, devem ser salvaguardadas a tutela e promoção da família, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio: não se pode, de maneira nenhuma, pôr juridicamente no mesmo plano com a família outras formas de convivência, nem estas podem receber, como tais, um reconhecimento legal.
Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável, aliás reconhecido nas Declarações internacionais dos direitos humanos.
No mesmo plano, devem incluir-se a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das modernas formas de escravidão (pense-se, por exemplo, na droga e na exploração da prostituição).
Não podem ficar fora deste elenco o direito à liberdade religiosa e o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum, no respeito da justiça social, do princípio da solidariedade humana e do de subsidariedade, segundo o qual “os direitos das pessoas, das famílias e dos grupos, e o seu exercício têm de ser reconhecidos”.
Como não incluir, enfim, nesta exemplificação, o grande tema da paz? Uma visão irénica e ideológica tende, por vezes, a secularizar o valor da paz; noutros casos, cede-se a um juízo ético sumário, esquecendo a complexidade das razões em questão. A paz é sempre “fruto da justiça e efeito da caridade”; exige a recusa radical e absoluta da violência e do terrorismo e requer um empenho constante e vigilante da parte de quem está investido da responsabilidade política.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Monge Rábano Mauro
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje quero falar de uma pessoa do Ocidente latino verdadeiramente extraordinária: o monge Rábano Mauro. Junto a homens como Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável, Ambrósio Autpert, dos quais já falei em catequeses precedentes, ele soube durante os séculos da Alta Idade Média manter contato com a grande cultura dos antigos sábios e dos padres cristãos. Recordado com frequência como praeceptor Germaniae [mestre da Alemanha, N. do T..], Rábano Mauro teve uma fecundidade extraordinária.
Com sua capacidade de trabalho totalmente excepcional, foi talvez o que mais contribuiu a manter viva a cultura teológica, exegética e espiritual à qual recorrerão os séculos seguintes. A ele fazem referência grandes personagens pertencentes ao mundo dos monges, como Pedro Damião, Pedro o Venerável e Bernardo de Claraval, assim como um número cada vez mais consistente de “clérigos” do clero secular, que nos séculos XII e XIII deram vida a um dos florescimentos mais belos e fecundos do pensamento humano. Nascido em Mainz, por volta do ano 780, Rábano entrou no mosteiro quando ainda era muito jovem: deram-lhe o nome de Mauro em referência precisamente ao jovem Mauro, que segundo o segundo livro dos Diálogos de São Gregório Magno, havia sido entregue, quando ainda era uma criança, por seus próprios pais, nobres romanos, ao abade Bento de Núrsia. Esta introdução precoce de Rábano como puer oblatus no mundo monástico beneditino, e os frutos que tirou para seu crescimento humano, cultural e espiritual, abriram possibilidades interessantíssimas não só para a vida dos monges, mas também para toda a sociedade de seu tempo, normalmente chamada “carolíngia”. Falando deles, ou talvez de si mesmo, Rábano Mauro escreve: “Há alguns que tiveram a sorte de ter sido introduzidos no conhecimento das Escrituras desde a terna infância (‘a cunabulis suis’) e se alimentaram tão bem da comida que a santa Igreja lhes ofereceu, que podem ser promovidos, com a educação adequada, às mais elevadas ordens sagradas” (PL 107, col 419BC).
A extraordinária cultura pela qual se distinguia Rábano Mauro chamou rapidamente a atenção dos grandes de seu tempo. Converteu-se em conselheiro de príncipes. Comprometeu-se para garantir a unidade do Império e, em um nível cultural mais amplo, nunca negou uma resposta ponderada a quem lhe perguntava, que se inspirava preferentemente na Bíblia e nos textos dos santos padres. Apesar de ter sido eleito primeiro abade do famoso mosteiro de Fulda e depois arcebispo da cidade natal, Mainz, não deixou seus estudos, demonstrando com o exemplo de sua vida que se pode estar ao mesmo tempo à disposição dos demais, sem privar-se por este motivo de um adequado tempo de reflexão, estudo e meditação. Deste modo, Rábano Mauro se converteu em exegeta, filósofo, poeta, pastor e homem de Deus. As dioceses de Fulda, Mainz, Limburgo, e Breslávia o veneram como santo ou beato. Suas obras preenchem seis volumes da “Patrística Latina” de Migne. Provavelmente compôs um dos hinos mais belos e conhecidos da Igreja latina, o Veni Creator Spiritus, síntese extraordinária de pneumatologia cristã. O primeiro compromisso teológico de Rábano se expressou, de fato, em forma de poesia e teve como tema o mistério da santa Cruz em uma obra titulada De laudibus Sanctae Crucis, concebida para propor não apenas conteúdos conceituais, mas também estímulos maravilhosamente artísticos, utilizando tanto a forma poética como a forma pictórica dentro do mesmo código manuscrito. Propondo iconograficamente entre as linhas de seu escrito a imagem de Cristo crucificado, escreve: “Esta é a imagem do Salvador que, com a posição de seus membros, faz que seja sagrada para nós a doce e queridíssima forma da Cruz, para que, crendo em seu nome e obedecendo seus mandamentos, possamos obter a vida eterna graças à sua paixão. Por isso, cada vez que elevamos o olhar à Cruz, recordamos Aquele que sofreu por nós para arrancar-nos do poder das trevas, aceitando a morte para tornar-nos herdeiros da vida eterna” (Lib. 1, Fig. 1, PL 107 col 151 C). Este método de harmonizar todas as artes, a inteligência, o coração e os sentidos, que procedia do Oriente, seria sumamente desenvolvido no Ocidente, alcançando cumes inalcançáveis nos códices da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até a invenção da imprensa e inclusive depois. Em todo caso, demonstra que Rábano Mauro tinha uma consciência extraordinária da necessidade de envolver a fé na experiência, não só a mente e o coração, mas também os sentidos através desses outros aspectos do gosto estético e da sensibilidade humana que levam o homem a desfrutar da verdade com todo seu ser, “espírito, alma e corpo”. Isto é importante: a fé não é só pensamento, toca a todo o ser. Dado que Deus se fez homem em carne e osso e entrou no mundo sensível, nós temos de procurar encontrar Deus com todas as dimensões de nosso ser. Deste modo, a realidade de Deus, através da fé, penetra em nosso ser e o transforma. Por este motivo, Rábano Mauro concentrou sua atenção sobretudo na Liturgia, como síntese de todas as dimensões de nossa percepção da realidade. Esta intuição de Rábano Mauro o torna extraordinariamente atual. Deixou também os famosos “Carmina”, propostos para ser utilizados sobretudo nas celebrações litúrgicas. De fato, o interesse de Rábano pela liturgia se dava totalmente por subentendido, dado que antes de tudo era um monge. Ele, contudo, não se dedicava à arte da poesia como fim em si mesmo, mas utilizava a arte e qualquer outro tipo de conhecimento para aprofundar na Palavra de Deus. Por isso, procurou, com o máximo empenho e rigor, introduzir seus contemporâneos, mas sobretudo os ministros (bispos, presbíteros e diáconos), na compreensão do significado profundamente teológico e espiritual de todos os elementos da celebração litúrgica. Deste modo, procurou compreender e apresentar aos demais os significados teológicos escondidos nos ritos, recorrendo a Bíblia e a tradição dos padres. Não hesitava em citar, por honestidade e para dar maior peso às suas explicações, as fontes patrísticas às que devia seu saber. E se servia delas com liberdade e discernimento atento, continuando o desenvolvimento do pensamento patrístico. Ao final da “Primeira Epístola” dirigida a um corepíscopo da diocese de Mainz, por exemplo, após ter respondido a pedidos de esclarecimento sobre o comportamento que se deve ter no exercício da responsabilidade pastoral, escreve: “Escrevemos tudo isto tal como o deduzimos das Sagradas Escrituras e dos cânones dos padres. Agora, o senhor, santíssimo homem, tome suas decisões como melhor lhe pareça, caso por caso, tratando de moderar sua avaliação de tal maneira que se garanta em tudo a discrição, pois ela é a mãe da fé cristã, que tem seus inícios na Palavra de Deus; esta, contudo, sempre está viva, desenvolve-se e se expressa de novas maneiras, sempre em coerência com toda a construção, com todo o edifício da fé”. Dado que a Palavra de Deus é parte integrante da celebração litúrgica, Rábano Mauro se dedicou a esta última com o máximo empenho durante toda a sua existência. Redigiu explicações exegéticas apropriadas quase para todos os livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, com um objetivo claramente pastoral, que justificava com palavras como estas: “Escrevi isto... sintetizando explicações e propostas de outros muitos para oferecer um serviço ao pobre leitor que não pode ter muitos livros à disposição, mas também para ajudar quem, em muitos temas, não consegue aprofundar na compreensão dos significados descobertos pelos padres” (Commentariorum in Matthaeum praefatio, PL 107, col. 727D). De fato, ao comentar os textos bíblicos, ele recorria muito aos padres antigos, com predileção especial por Jerônimo, Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno. Sua aguda sensibilidade pastoral o levou depois a enfrentar um dos problemas que mais interessava aos fiéis e aos ministros sagrados de seu tempo: o da Penitência. Compilou “Penitenciários” – assim os chamava – nos quais, segundo a sensibilidade da época, enumeravam-se os pecados e as penas correspondentes, utilizando, na medida do possível, motivações tomadas da Bíblia, das decisões dos concílios e dos decretos dos papas. Destes textos se serviram também os “carolíngios” em seu intento de reforma da Igreja e da sociedade. A este mesmo objetivo pastoral respondiam obras como De disciplina ecclesiastica e De institutione clericorum, nas quais, citando sobretudo Agostinho, Rábano explicava para pessoas simples e ao clero de sua própria diocese os elementos fundamentais da fé cristã: eram uma espécie de pequenos catecismos. Quero concluir a apresentação deste grande “homem da Igreja” citando algumas palavras suas nas quais se reflete sua convicção de fundo: “Quem descuida da contemplação, priva-se da visão da luz de Deus; quem se deixa levar pelas preocupações e permite que seus pensamentos fiquem turbados pelo tumulto das coisas do mundo, condena-se à absoluta impossibilidade de penetrar nos segredos do Deus invisível” (Lib. I, PL 112, col. 1263A).
Creio que Rábano Mauro nos dirige hoje estas palavras: no trabalho, com seus ritmos frenéticos, e nas férias, temos de reservar momentos para Deus. Abrir-lhe nossa vida, dirigindo-lhe um pensamento, uma reflexão, uma breve oração e, sobretudo, não podemos esquecer o domingo como o dia do Senhor, o dia da liturgia, para perceber na beleza de nossas igrejas, da música sacra e da Palavra de Deus, a própria beleza de Deus, deixando-o entrar em nosso ser. Só assim nossa vida se torna grande, faz-se vida de verdade.
[Tradução de Élison Santos. Revisão de Aline Banchieri.© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana]
Hoje quero falar de uma pessoa do Ocidente latino verdadeiramente extraordinária: o monge Rábano Mauro. Junto a homens como Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável, Ambrósio Autpert, dos quais já falei em catequeses precedentes, ele soube durante os séculos da Alta Idade Média manter contato com a grande cultura dos antigos sábios e dos padres cristãos. Recordado com frequência como praeceptor Germaniae [mestre da Alemanha, N. do T..], Rábano Mauro teve uma fecundidade extraordinária.
Com sua capacidade de trabalho totalmente excepcional, foi talvez o que mais contribuiu a manter viva a cultura teológica, exegética e espiritual à qual recorrerão os séculos seguintes. A ele fazem referência grandes personagens pertencentes ao mundo dos monges, como Pedro Damião, Pedro o Venerável e Bernardo de Claraval, assim como um número cada vez mais consistente de “clérigos” do clero secular, que nos séculos XII e XIII deram vida a um dos florescimentos mais belos e fecundos do pensamento humano. Nascido em Mainz, por volta do ano 780, Rábano entrou no mosteiro quando ainda era muito jovem: deram-lhe o nome de Mauro em referência precisamente ao jovem Mauro, que segundo o segundo livro dos Diálogos de São Gregório Magno, havia sido entregue, quando ainda era uma criança, por seus próprios pais, nobres romanos, ao abade Bento de Núrsia. Esta introdução precoce de Rábano como puer oblatus no mundo monástico beneditino, e os frutos que tirou para seu crescimento humano, cultural e espiritual, abriram possibilidades interessantíssimas não só para a vida dos monges, mas também para toda a sociedade de seu tempo, normalmente chamada “carolíngia”. Falando deles, ou talvez de si mesmo, Rábano Mauro escreve: “Há alguns que tiveram a sorte de ter sido introduzidos no conhecimento das Escrituras desde a terna infância (‘a cunabulis suis’) e se alimentaram tão bem da comida que a santa Igreja lhes ofereceu, que podem ser promovidos, com a educação adequada, às mais elevadas ordens sagradas” (PL 107, col 419BC).
A extraordinária cultura pela qual se distinguia Rábano Mauro chamou rapidamente a atenção dos grandes de seu tempo. Converteu-se em conselheiro de príncipes. Comprometeu-se para garantir a unidade do Império e, em um nível cultural mais amplo, nunca negou uma resposta ponderada a quem lhe perguntava, que se inspirava preferentemente na Bíblia e nos textos dos santos padres. Apesar de ter sido eleito primeiro abade do famoso mosteiro de Fulda e depois arcebispo da cidade natal, Mainz, não deixou seus estudos, demonstrando com o exemplo de sua vida que se pode estar ao mesmo tempo à disposição dos demais, sem privar-se por este motivo de um adequado tempo de reflexão, estudo e meditação. Deste modo, Rábano Mauro se converteu em exegeta, filósofo, poeta, pastor e homem de Deus. As dioceses de Fulda, Mainz, Limburgo, e Breslávia o veneram como santo ou beato. Suas obras preenchem seis volumes da “Patrística Latina” de Migne. Provavelmente compôs um dos hinos mais belos e conhecidos da Igreja latina, o Veni Creator Spiritus, síntese extraordinária de pneumatologia cristã. O primeiro compromisso teológico de Rábano se expressou, de fato, em forma de poesia e teve como tema o mistério da santa Cruz em uma obra titulada De laudibus Sanctae Crucis, concebida para propor não apenas conteúdos conceituais, mas também estímulos maravilhosamente artísticos, utilizando tanto a forma poética como a forma pictórica dentro do mesmo código manuscrito. Propondo iconograficamente entre as linhas de seu escrito a imagem de Cristo crucificado, escreve: “Esta é a imagem do Salvador que, com a posição de seus membros, faz que seja sagrada para nós a doce e queridíssima forma da Cruz, para que, crendo em seu nome e obedecendo seus mandamentos, possamos obter a vida eterna graças à sua paixão. Por isso, cada vez que elevamos o olhar à Cruz, recordamos Aquele que sofreu por nós para arrancar-nos do poder das trevas, aceitando a morte para tornar-nos herdeiros da vida eterna” (Lib. 1, Fig. 1, PL 107 col 151 C). Este método de harmonizar todas as artes, a inteligência, o coração e os sentidos, que procedia do Oriente, seria sumamente desenvolvido no Ocidente, alcançando cumes inalcançáveis nos códices da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até a invenção da imprensa e inclusive depois. Em todo caso, demonstra que Rábano Mauro tinha uma consciência extraordinária da necessidade de envolver a fé na experiência, não só a mente e o coração, mas também os sentidos através desses outros aspectos do gosto estético e da sensibilidade humana que levam o homem a desfrutar da verdade com todo seu ser, “espírito, alma e corpo”. Isto é importante: a fé não é só pensamento, toca a todo o ser. Dado que Deus se fez homem em carne e osso e entrou no mundo sensível, nós temos de procurar encontrar Deus com todas as dimensões de nosso ser. Deste modo, a realidade de Deus, através da fé, penetra em nosso ser e o transforma. Por este motivo, Rábano Mauro concentrou sua atenção sobretudo na Liturgia, como síntese de todas as dimensões de nossa percepção da realidade. Esta intuição de Rábano Mauro o torna extraordinariamente atual. Deixou também os famosos “Carmina”, propostos para ser utilizados sobretudo nas celebrações litúrgicas. De fato, o interesse de Rábano pela liturgia se dava totalmente por subentendido, dado que antes de tudo era um monge. Ele, contudo, não se dedicava à arte da poesia como fim em si mesmo, mas utilizava a arte e qualquer outro tipo de conhecimento para aprofundar na Palavra de Deus. Por isso, procurou, com o máximo empenho e rigor, introduzir seus contemporâneos, mas sobretudo os ministros (bispos, presbíteros e diáconos), na compreensão do significado profundamente teológico e espiritual de todos os elementos da celebração litúrgica. Deste modo, procurou compreender e apresentar aos demais os significados teológicos escondidos nos ritos, recorrendo a Bíblia e a tradição dos padres. Não hesitava em citar, por honestidade e para dar maior peso às suas explicações, as fontes patrísticas às que devia seu saber. E se servia delas com liberdade e discernimento atento, continuando o desenvolvimento do pensamento patrístico. Ao final da “Primeira Epístola” dirigida a um corepíscopo da diocese de Mainz, por exemplo, após ter respondido a pedidos de esclarecimento sobre o comportamento que se deve ter no exercício da responsabilidade pastoral, escreve: “Escrevemos tudo isto tal como o deduzimos das Sagradas Escrituras e dos cânones dos padres. Agora, o senhor, santíssimo homem, tome suas decisões como melhor lhe pareça, caso por caso, tratando de moderar sua avaliação de tal maneira que se garanta em tudo a discrição, pois ela é a mãe da fé cristã, que tem seus inícios na Palavra de Deus; esta, contudo, sempre está viva, desenvolve-se e se expressa de novas maneiras, sempre em coerência com toda a construção, com todo o edifício da fé”. Dado que a Palavra de Deus é parte integrante da celebração litúrgica, Rábano Mauro se dedicou a esta última com o máximo empenho durante toda a sua existência. Redigiu explicações exegéticas apropriadas quase para todos os livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, com um objetivo claramente pastoral, que justificava com palavras como estas: “Escrevi isto... sintetizando explicações e propostas de outros muitos para oferecer um serviço ao pobre leitor que não pode ter muitos livros à disposição, mas também para ajudar quem, em muitos temas, não consegue aprofundar na compreensão dos significados descobertos pelos padres” (Commentariorum in Matthaeum praefatio, PL 107, col. 727D). De fato, ao comentar os textos bíblicos, ele recorria muito aos padres antigos, com predileção especial por Jerônimo, Ambrósio, Agostinho e Gregório Magno. Sua aguda sensibilidade pastoral o levou depois a enfrentar um dos problemas que mais interessava aos fiéis e aos ministros sagrados de seu tempo: o da Penitência. Compilou “Penitenciários” – assim os chamava – nos quais, segundo a sensibilidade da época, enumeravam-se os pecados e as penas correspondentes, utilizando, na medida do possível, motivações tomadas da Bíblia, das decisões dos concílios e dos decretos dos papas. Destes textos se serviram também os “carolíngios” em seu intento de reforma da Igreja e da sociedade. A este mesmo objetivo pastoral respondiam obras como De disciplina ecclesiastica e De institutione clericorum, nas quais, citando sobretudo Agostinho, Rábano explicava para pessoas simples e ao clero de sua própria diocese os elementos fundamentais da fé cristã: eram uma espécie de pequenos catecismos. Quero concluir a apresentação deste grande “homem da Igreja” citando algumas palavras suas nas quais se reflete sua convicção de fundo: “Quem descuida da contemplação, priva-se da visão da luz de Deus; quem se deixa levar pelas preocupações e permite que seus pensamentos fiquem turbados pelo tumulto das coisas do mundo, condena-se à absoluta impossibilidade de penetrar nos segredos do Deus invisível” (Lib. I, PL 112, col. 1263A).
Creio que Rábano Mauro nos dirige hoje estas palavras: no trabalho, com seus ritmos frenéticos, e nas férias, temos de reservar momentos para Deus. Abrir-lhe nossa vida, dirigindo-lhe um pensamento, uma reflexão, uma breve oração e, sobretudo, não podemos esquecer o domingo como o dia do Senhor, o dia da liturgia, para perceber na beleza de nossas igrejas, da música sacra e da Palavra de Deus, a própria beleza de Deus, deixando-o entrar em nosso ser. Só assim nossa vida se torna grande, faz-se vida de verdade.
[Tradução de Élison Santos. Revisão de Aline Banchieri.© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana]
Bento XVI e as crianças
– Meu nome é Anna Filippone, tenho 12 anos, sou coroinha, venho da Calábria, da diocese de Oppido Mamertina-Palmi. Papa Bento, meu amigo Giovanni tem um pai italiano e uma mãe equatoriana e é muito feliz. O senhor acha que diferentes culturas um dia poderão viver sem brigar pelo nome de Jesus?
– Bento XVI: Eu soube que vocês queriam saber como nós, quando éramos crianças, nos ajudávamos reciprocamente. Tenho que dizer que vivi os anos do Ensino Fundamental em um pequeno povoado de 400 habitantes, muito afastado dos grandes centros. Portanto, éramos um pouco ingênuos e, nesse povoado, havia, por uma parte, agricultores muito ricos e outros menos ricos, mas acomodados; por outra, pobres empregados, artesãos. Nossa família, pouco antes de que começasse a escola primária, havia chegado a este povoado procedente de outro e, portanto, éramos um pouco estrangeiros para eles, inclusive o dialeto era diferente. Nesta escola, portanto, refletiam-se situações sociais muito diferentes. Contudo, dava-se uma bela comunhão entre nós. Eles me ensinaram seu dialeto, que eu ainda não conhecia. Colaboramos bem, e tenho de confessar que em algum momento, naturalmente, também briguei, mas depois nos reconciliamos e esquecemos o que havia acontecido. Isto me parece importante. Às vezes, na vida humana parece inevitável brigar; mas o importante é, de qualquer forma, a arte de reconciliar-se, o perdão, voltar a começar e não deixar a amargura na alma. Com gratidão, recordo como colaborávamos todos: um ajudava o outro e seguíamos juntos nosso caminho. Todos éramos católicos e isso era naturalmente uma grande ajuda. Assim, aprendemos juntos a conhecer a Bíblia, começando pela Criação até o sacrifício de Jesus na Cruz, e chegando aos inícios da Igreja. Juntos aprendemos o catecismo, aprendemos a rezar e nos preparar-nos juntos para a primeira confissão, para a primeira comunhão: aquele foi um dia esplêndido. Compreendemos que o próprio Jesus vem a nós e que não é um Deus distante: entra na própria vida, na própria alma. E, se o próprio Jesus entra em cada um de nós, nós somos irmãos, irmãos, amigos e, portanto, temos de comportar-nos como tais. Para nós, esta preparação para a primeira confissão, como purificação de nossa consciência, de nossa vida, e depois também a primeira comunhão, como encontro concreto de Jesus, que vem a mim e a todos, foram fatores que contribuíram para formar nossa comunidade. Eles nos ajudaram a avançar juntos, a aprender juntos a reconciliar-nos, quando era necessário. Fizemos também pequenos espetáculos: é importante também colaborar, prestar atenção um no outro. Depois, aos 8 ou 9 anos, eu me tornei coroinha. Naquele tempo não havia ainda coroinhas mulheres, mas as meninas liam melhor que nós. Portanto, elas liam as leituras da liturgia, nós éramos coroinhas. Naquele tempo, ainda havia muitos textos em latim que era preciso aprender; deste modo, cada um teve que realizar sua parte de esforço. Como disse, não éramos santos: tivemos nossas brigas, mas de qualquer forma, dava-se uma bela comunhão, na qual a diferença entre ricos e pobres, inteligentes e menos inteligentes não contava. Contava a comunhão com Jesus no caminho da fé comum e da responsabilidade comum, nos jogos, no trabalho comum. Encontramos a capacidade para viver juntos, para ser amigos, e apesar de que, desde 1937, ou seja, há mais de 70 anos, já não morei mais nesse povoado, mas continuamos amigos. Aprendemos a aceitar-nos um ao outro, a levar o peso um do outro. Isso parece-me importante: apesar de nossas fraquezas, nós nos aceitamos e com Jesus Cristo, com a Igreja, encontramos juntos o caminho da paz e aprendemos a viver bem.
– Chamo-me Letizia e queria lhe perguntar. Querido Papa Bento XVI, o que queria dizer para o senhor, quando era pequeno, o lema: “As crianças ajudam as crianças”? O senhor tinha pensado que alguma vez chegaria a ser Papa?
– Bento XVI: Para dizer a verdade, nunca pensei que seria Papa, pois, como já disse, era um jovem bastante ingênuo, em um pequeno povoado muito afastado das cidades, na província esquecida. Éramos felizes de viver nessa província e não pensávamos em outras coisas. Naturalmente conhecemos, veneramos e amamos o Papa – era Pio XI –, mas para nós era uma altura inalcançável, quase outro mundo: era nosso pai, mas, de qualquer forma, uma realidade muito superior a nós. E tenho de dizer que ainda hoje me custa compreender como o Senhor pôde pensar em mim, destinar-me a este ministério. Mas o aceito de suas mãos, ainda que é algo surpreendente e me parece que vai muito além de minhas forças. Mas o Senhor me ajuda.
– Querido Papa Bento. Sou Alessandro. Queria perguntar-lhe: o senhor é o primeiro missionário; nós, jovens, como podemos ajudá-lo a anunciar o Evangelho?
– Bento XVI: Eu diria que uma primeira maneira é esta: colaborar com a Obra Pontifícia da Infância Missionária. Deste modo, vocês fazem parte de uma grande família, que leva o Evangelho ao mundo. Deste modo, pertencem à uma grande rede. Vemos aqui como é representada a família dos diferentes povos. Vocês estão nesta grande família: cada um põe sua parte e juntos são missionários, promotores da obra missionária da Igreja. Têm um belo programa, indicado por sua porta-voz: escutar, rezar, conhecer, compartilhar, ser solidários. Estes são os elementos essenciais que constituem realmente uma forma de ser missionário, de fazer crescer a Igreja e a presença do Evangelho no mundo. Quero sublinhar alguns destes pontos. Antes de tudo, rezar. A oração é uma realidade: Deus nos escuta e, quando rezamos, Deus entra em nossa vida, faz-se presente entre nós, age. Rezar é algo muito importante, que pode mudar o mundo, pois torna presente a força de Deus. E é importante ajudar-se para rezar: rezamos juntos na liturgia, rezamos juntos na família. Eu diria que é importante começar o dia com uma pequena oração e acabar também o dia com uma pequena oração: lembrar dos pais na oração. Rezar antes do almoço, antes do jantar, e por ocasião da celebração comum do domingo: Um domingo sem missa, a grande oração comum da Igreja, não é um verdadeiro domingo: falta-lhe o coração do domingo, assim como a luz para a semana. Vocês podem também ajudar os demais, especialmente quando talvez não se reza em casa, quando não se conhece a oração, ensinando-os a rezar: ao rezar com eles, vocês os introduzem na comunhão com Deus. Depois, deve-se escutar, ou seja, aprender realmente o que Jesus nos diz. Também é preciso conhecer a Sagrada Escritura, a Bíblia. Na história de Jesus, aprendemos – como disse o cardeal –, o rosto de Deus, aprendemos como é Deus. É importante conhecer Jesus profundamente, pessoalmente. Deste modo, Ele entra em nossa vida e, através de nossa vida, entra no mundo. Também é preciso compartilhar, não se pode querer as coisas só para si mesmo, mas para todos; dividir com os demais. E se vemos que outro talvez tem necessidade, que tem menos qualidades, temos de ajudá-lo, e deste modo tornar presente o amor de Deus sem grandes palavras, em nosso pequeno mundo pessoal, que faz parte do grande mundo. Deste modo, juntos nos convertemos em uma família, na qual se tem respeito pelo outro: suportar o outro em sua alteridade, aceitar também os antipáticos, não deixar que se fique marginalizado, mas ajudá-lo a integrar-se na comunidade. Tudo isso quer dizer simplesmente viver nesta grande família da Igreja, nesta grande família missionária: viver os pontos essenciais como compartilhar o conhecimento de Jesus, a oração, a escuta recíproca e a solidariedade já é uma obra missionária, pois ajuda a que o Evangelho se converta em realidade em nosso mundo.
– Bento XVI: Eu soube que vocês queriam saber como nós, quando éramos crianças, nos ajudávamos reciprocamente. Tenho que dizer que vivi os anos do Ensino Fundamental em um pequeno povoado de 400 habitantes, muito afastado dos grandes centros. Portanto, éramos um pouco ingênuos e, nesse povoado, havia, por uma parte, agricultores muito ricos e outros menos ricos, mas acomodados; por outra, pobres empregados, artesãos. Nossa família, pouco antes de que começasse a escola primária, havia chegado a este povoado procedente de outro e, portanto, éramos um pouco estrangeiros para eles, inclusive o dialeto era diferente. Nesta escola, portanto, refletiam-se situações sociais muito diferentes. Contudo, dava-se uma bela comunhão entre nós. Eles me ensinaram seu dialeto, que eu ainda não conhecia. Colaboramos bem, e tenho de confessar que em algum momento, naturalmente, também briguei, mas depois nos reconciliamos e esquecemos o que havia acontecido. Isto me parece importante. Às vezes, na vida humana parece inevitável brigar; mas o importante é, de qualquer forma, a arte de reconciliar-se, o perdão, voltar a começar e não deixar a amargura na alma. Com gratidão, recordo como colaborávamos todos: um ajudava o outro e seguíamos juntos nosso caminho. Todos éramos católicos e isso era naturalmente uma grande ajuda. Assim, aprendemos juntos a conhecer a Bíblia, começando pela Criação até o sacrifício de Jesus na Cruz, e chegando aos inícios da Igreja. Juntos aprendemos o catecismo, aprendemos a rezar e nos preparar-nos juntos para a primeira confissão, para a primeira comunhão: aquele foi um dia esplêndido. Compreendemos que o próprio Jesus vem a nós e que não é um Deus distante: entra na própria vida, na própria alma. E, se o próprio Jesus entra em cada um de nós, nós somos irmãos, irmãos, amigos e, portanto, temos de comportar-nos como tais. Para nós, esta preparação para a primeira confissão, como purificação de nossa consciência, de nossa vida, e depois também a primeira comunhão, como encontro concreto de Jesus, que vem a mim e a todos, foram fatores que contribuíram para formar nossa comunidade. Eles nos ajudaram a avançar juntos, a aprender juntos a reconciliar-nos, quando era necessário. Fizemos também pequenos espetáculos: é importante também colaborar, prestar atenção um no outro. Depois, aos 8 ou 9 anos, eu me tornei coroinha. Naquele tempo não havia ainda coroinhas mulheres, mas as meninas liam melhor que nós. Portanto, elas liam as leituras da liturgia, nós éramos coroinhas. Naquele tempo, ainda havia muitos textos em latim que era preciso aprender; deste modo, cada um teve que realizar sua parte de esforço. Como disse, não éramos santos: tivemos nossas brigas, mas de qualquer forma, dava-se uma bela comunhão, na qual a diferença entre ricos e pobres, inteligentes e menos inteligentes não contava. Contava a comunhão com Jesus no caminho da fé comum e da responsabilidade comum, nos jogos, no trabalho comum. Encontramos a capacidade para viver juntos, para ser amigos, e apesar de que, desde 1937, ou seja, há mais de 70 anos, já não morei mais nesse povoado, mas continuamos amigos. Aprendemos a aceitar-nos um ao outro, a levar o peso um do outro. Isso parece-me importante: apesar de nossas fraquezas, nós nos aceitamos e com Jesus Cristo, com a Igreja, encontramos juntos o caminho da paz e aprendemos a viver bem.
– Chamo-me Letizia e queria lhe perguntar. Querido Papa Bento XVI, o que queria dizer para o senhor, quando era pequeno, o lema: “As crianças ajudam as crianças”? O senhor tinha pensado que alguma vez chegaria a ser Papa?
– Bento XVI: Para dizer a verdade, nunca pensei que seria Papa, pois, como já disse, era um jovem bastante ingênuo, em um pequeno povoado muito afastado das cidades, na província esquecida. Éramos felizes de viver nessa província e não pensávamos em outras coisas. Naturalmente conhecemos, veneramos e amamos o Papa – era Pio XI –, mas para nós era uma altura inalcançável, quase outro mundo: era nosso pai, mas, de qualquer forma, uma realidade muito superior a nós. E tenho de dizer que ainda hoje me custa compreender como o Senhor pôde pensar em mim, destinar-me a este ministério. Mas o aceito de suas mãos, ainda que é algo surpreendente e me parece que vai muito além de minhas forças. Mas o Senhor me ajuda.
– Querido Papa Bento. Sou Alessandro. Queria perguntar-lhe: o senhor é o primeiro missionário; nós, jovens, como podemos ajudá-lo a anunciar o Evangelho?
– Bento XVI: Eu diria que uma primeira maneira é esta: colaborar com a Obra Pontifícia da Infância Missionária. Deste modo, vocês fazem parte de uma grande família, que leva o Evangelho ao mundo. Deste modo, pertencem à uma grande rede. Vemos aqui como é representada a família dos diferentes povos. Vocês estão nesta grande família: cada um põe sua parte e juntos são missionários, promotores da obra missionária da Igreja. Têm um belo programa, indicado por sua porta-voz: escutar, rezar, conhecer, compartilhar, ser solidários. Estes são os elementos essenciais que constituem realmente uma forma de ser missionário, de fazer crescer a Igreja e a presença do Evangelho no mundo. Quero sublinhar alguns destes pontos. Antes de tudo, rezar. A oração é uma realidade: Deus nos escuta e, quando rezamos, Deus entra em nossa vida, faz-se presente entre nós, age. Rezar é algo muito importante, que pode mudar o mundo, pois torna presente a força de Deus. E é importante ajudar-se para rezar: rezamos juntos na liturgia, rezamos juntos na família. Eu diria que é importante começar o dia com uma pequena oração e acabar também o dia com uma pequena oração: lembrar dos pais na oração. Rezar antes do almoço, antes do jantar, e por ocasião da celebração comum do domingo: Um domingo sem missa, a grande oração comum da Igreja, não é um verdadeiro domingo: falta-lhe o coração do domingo, assim como a luz para a semana. Vocês podem também ajudar os demais, especialmente quando talvez não se reza em casa, quando não se conhece a oração, ensinando-os a rezar: ao rezar com eles, vocês os introduzem na comunhão com Deus. Depois, deve-se escutar, ou seja, aprender realmente o que Jesus nos diz. Também é preciso conhecer a Sagrada Escritura, a Bíblia. Na história de Jesus, aprendemos – como disse o cardeal –, o rosto de Deus, aprendemos como é Deus. É importante conhecer Jesus profundamente, pessoalmente. Deste modo, Ele entra em nossa vida e, através de nossa vida, entra no mundo. Também é preciso compartilhar, não se pode querer as coisas só para si mesmo, mas para todos; dividir com os demais. E se vemos que outro talvez tem necessidade, que tem menos qualidades, temos de ajudá-lo, e deste modo tornar presente o amor de Deus sem grandes palavras, em nosso pequeno mundo pessoal, que faz parte do grande mundo. Deste modo, juntos nos convertemos em uma família, na qual se tem respeito pelo outro: suportar o outro em sua alteridade, aceitar também os antipáticos, não deixar que se fique marginalizado, mas ajudá-lo a integrar-se na comunidade. Tudo isso quer dizer simplesmente viver nesta grande família da Igreja, nesta grande família missionária: viver os pontos essenciais como compartilhar o conhecimento de Jesus, a oração, a escuta recíproca e a solidariedade já é uma obra missionária, pois ajuda a que o Evangelho se converta em realidade em nosso mundo.
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